O risco de ficar grande, o medo de permanecer pequeno

Já correu por aí que o carnaval de São Luiz do Paraitinga terá esse ano, além de tenda fechada com abadá, atrações de funk a música eletrônica. Contrariando a tradição de um carnaval de rua e de marchinhas (marchinhas próprias, deliciosas, que falam da tradição da cidade e de seus moradores), a Prefeitura Municipal fechou um patrocínio com a Skol, que decidiu dar aos foliões uma “alternativa” à música da cidade.

A primeira vez que fui a São Luiz foi em 2005. Os blocos eram moderadamente cheios, e a praça ficava vazia. Fazíamos o percurso pulando como loucos, voltávamos à pracinha, onde caixas de som ecoavam marchinhas de outros carnavais. Em pouco a praça virava palco para os grupos, entre o coreto e a escadaria da igreja matriz. A tradição musical é tão grande que a cidade e suas bandas vivem apenas das marchinhas locais. Os blocos mantém-se os mesmos, e os “hits” de cada ano são escolhidos e lançados em um festival de marchinhas, realizado todo janeiro.

Aprendi naquele ano o que era carnaval – algo que até então não tinha vivido. Fomos os quatro anos seguintes a esse, aumentando a turma e o entusiasmo. Colecionei – e ainda coleciono – os CDs de lá, que falam sobre as ruas, a chuva, o coreto, a tradição de cada parte de São Luiz (São Luiz é pequenininha que cabe toda no coração da gente). Trouxe novos amigos, ensinando sempre a eles os mandamentos do folião. Regra número um: é proibido durante o carnaval luizense qualquer outro ritmo que não seja marchinha. E tinha fiscalização, pelos próprios foliões.

O passar dos anos trouxe naturalmente mais gente para a cidade. A [pinga] “com mel” (vendida nas janelas das casas) aumentou. Os blocos encheram. A praça lotou. Os alugueis ficaram mais caros, os campings proliferaram. A publicidade aumentou, atraindo também quem não gostava de marchinha. Encontrei uma amiga na rua: “ouvir marchinha é ótimo, mas até o final do carnaval cansa, né?” Pra gente, que ouvia os quatro dias, mais uns três meses depois, não.

Não dava mais pra pular o Barbosa, começamos a sair no Cordão da Samaritana – sem trio, banda pequena, som suave e percorrendo circuitos alternativos batendo o pé no chão. No ano seguinte nem a praça mais não funcionava. Como um aglomerado de gente, perdeu a função de ponto de encontro. A banda ficava tão longe que não dava pra ouvir – e haja perder chinelo no chão grudento e sujo da praça.

No quarto ano: os vizinhos deram pra cantar pagode, e justo a música do pimpolho. Reclamei e invadiram a minha casa. “Mas a regra aqui é só tocar marchinha!” e eles respondiam: “a gente não está no centro, não desceu pra cidade, estamos em casa”. Sintomático. E triste. O carnaval se popularizou a um ponto em que os foliões não desciam mais pra cidade. E se eles gostavam de marchinha no começo do carnaval, agora nem no começo queriam ouvir (aliás, é possível que nem tenham passado por São Luiz). De 10 mil foliões passou para 50, 80, 100 mil…

Vivemos numa sociedade em que atingir as massas importa mais que a autenticidade, em que a grana vale mais que a Cultura (aliás, acho que ninguém nem sabe mais o que é cultura, virou um termo abstrato pra preservar tradições que, na cabeça dos avançadinhos, deveriam se modernizar). Abrir o espaço para uma empresa, uma tenda com abadá, não vai trazer mais visibilidade para a cidade. Deveriam era fazer o contrário: voltar as regras mais duras, abrir um memorial – que cada visitante entenda a história do carnaval e da cidade de São Luiz. E afastar de vez quem não quer ou não gosta de marchinha. Que cada visitante, como eu no meu primeiro carnaval, como os amigos que eu levei depois, possam deslumbradamente carnavalizar-se e dizer: entendi.

São Luiz não precisa de mais investimentos para crescer. Ela precisa de mais investimentos porque cresceu demais. E precisa de coragem para se afirmar não como um grande evento internacional, mas como um pequeno carnaval regional de rua. O que São Luiz precisa é não ter medo de permanecer pequena – sob o risco de ser completamente perdida. Quando todos os grandes centros: Rio de Janeiro, Belo Horizonte e agora São Paulo, estão se esforçando por retomar um carnaval de rua arrancado de nós e trocado pelo carnaval regrado das avenidas, São Luiz do Paraitinga deve dar o exemplo. E continuar nos ensinando o que é carnaval.