Descentralização e transparência

A Secretaria Especial de Cultura (saudades Ministério) publicou um vídeo explicando “novidades” para a Ancine, vídeo que foi republicado mais de uma vez para corrigir erros na legenda, apontados pelos seguidores, como “paralização” com zê. Apesar da apresentação patética do nosso secretário, o ex-galã de novelas Mário Frias, a estratégia do Governo é ardilosa e pode confundir.

Falam em “transparência” e em “descentralização de recursos”. Ora, transparência e descentralização é bom. E se o Governo está propondo isso agora, pressupõe-se que não existia. Vão colocar ordem na cultura, como gostam de sugerir, em segundo plano dando a entender que a era de artistas aproveitadores do estado acabou. A estratégia é interessante, porque, sem falar diretamente isso (que seria uma mentira deslavada), sugere que em gestões anteriores o setor era mal administrado, escuso e que premiava com recursos excessivos apenas os seus aliados (parece com o que estamos vendo no Governo Federal, não?).

Deliberadamente, algumas informações relevantes ficam de fora do discurso: a de que transparência sempre existiu na Agencia é a primeira delas. Tanto os mecanismos de fomento do Fundo Setorial do Audiovisual quanto os projetos contemplados, valores de aporte, bilheteria e valores devolvidos ao FSA são informações públicas a um clique de distância de todos através do portal da Ancine. Inclusive os dados de projetos que pediram aporte e não captaram também ficam no ar.

A segunda é que os mecanismos para descentralização de recursos existem há anos. Inclusive o maravilhoso edital de produção de conteúdo para TVs públicas, que além de ser setorizado por regiões permitia que produtoras de menor porte produzissem, gerando renda e profissionalização de forma muito mais horizontal. Esse edital foi descontinuado pelo Governo Bolsonaro, junto a uma política de desmonte das emissoras públicas do país (unificadas agora com as emissoras governamentais para transmitir discurso oficial – muy democrático, diga-se de passagem). Aliás, todos os editais foram descontinuados, que é a informação principal que não consta no discurso de “novas regras” para o setor: a Ancine está paralisada (com “ésse”, diferente da legenda no primeiro vídeo com a justificativa estapafúrdia de que estão sendo criticados em falso).

Desde que Bolsonaro assumiu, dois anos atrás, a agência não abre mais nenhum edital (centralizado ou não), e não pagou os projetos já contemplados. Pra quem acha que não tem dinheiro pra ninguém e que cultura não devia ser prioridade: temos dinheiro em caixa. Isso porque o Fundo Setorial do Audiovisual é financiado com imposto do próprio setor, recolhido em troca da exploração do audiovisual pelas empresas de telecomunicações. O que quer dizer que por lei ele não pode ser usado em nenhuma outra área (do contrário não teria razão para seu recolhimento). A situação é tão grave que o Ministério Público Federal, após investigação, denunciou a diretoria da Ancine (do Governo Bolsonaro) pela paralisação deliberada dos projetos por crime contra o interesse público.

Mas a estratégia é interessante: omitir informações e sugerir que o tempo de paralisação está sendo utilizado para reestruturação de um setor que não funcionava. No limite: desmoralizar os artistas e profissionais da área. A cultura segue sendo asfixiada, ardilosa e lentamente.