Carnaval, futebol… estereótipos de Brasil

texto originalmente publicado no blog 2 Dedos de Conversa, da Helena Araújo

Começou com a corrupção. A conversa no banco da frente. Discutiam em uníssono os problemas do Brasil, com os argumentos que ouvimos sempre e algumas distorções históricas. Eram duas senhoras que o destino e a ideologia uniram num ônibus a caminho de Viracopos.

Da corrupção passaram aos sistemas políticos, numa inversão de fatos de dar orgulho ao mais conservador. “No Brasil, meu Deus, iam implantar um sistema comunista que meu Deus…” e a outra completava: “o Brasil não levantava nunca mais”, e um repeteco da primeira ecoava: “nunca mais…” Discutiram a presidenta Dilma na versão “bandida” (ladra de banco). Comentaram que a Europa tem um sistema socialista que não é, assim… comunista! E que só com muitas guerras é que se conseguiu vencer a União Soviética. Amém.

Minha leitura não rendia, e mesmo depois de eu própria me render, apelando para os protetores auriculares, ainda ouvia perfeitamente a discussão, a cada comentário mais exaltada. Pensei em falar, mas a verdade é que os absurdos eram tantos, e tão bem colocados em uníssono, que não sabia o que, como, ou por onde começar a contestar.

Seguiu-se um desfile de clichês: o problema do Brasil é que o povo não pensa. Não sabe pensar. É a minoria que pensa. Só querem saber de futebol e carnaval. E eu pensando comigo: se o povo só pensasse em futebol e carnaval ao menos seríamos uma nação mais alegre, mais em contato com nossas emoções e mais profundos desgostos – talvez mais democrática. O pensamento unitário é o que nos mata…

Com o melhor argumento que poderia dar, interrompeu-me mais uma vez os pensamentos, dirigindo-se à companheira de viagem: “É bom conversar com alguém assim, sabe? Porque a gente pensa igual, tem as mesmas ideias. Sempre tem alguém que vem e discorda, sabe? Então não dá, por aí, para conversar sobre essas coisas com qualquer um”.

Pronto. Ponto. Ganhei pontos em ficar quieta – mas não só por ela. A incapacidade crítica que ela aponta é a mesma que, com esse tipo de pensamento, reforça – à noção de uma população que não pode pensar senão o que é certo e que não pode conversar senão concordando. Isso – esse pensamento unitário – é a base de uma ditadura que controlou, perseguiu e cerceou a liberdade de expressão no Brasil por duas décadas, e é também a base do autoritarismo de esquerda que ela (por meio de trôpegos clichês) criticou.

Não sabemos discutir senão tentando convencer os outros do que (achamos que) é certo… E o povo que só quer saber de futebol e carnaval… Ao contrário, é uma nação amarga e intolerante, que não sabe defender uma questão sem entrar em méritos passionais e doutrinadores. Que o povo brasileiro só pensasse em carnaval e futebol, antes fosse. Ganharia nossa humanidade.

setembro/2012