Há algum tempo que, quando digo que sou roteirista, as pessoas me respondem entusiasmadas: “está crescendo muito o mercado de roteiros, não é?”, “eu li que a produção aumentou muito, agora com a nova lei das TVs a cabo…” A princípio ponderava que não é bem assim, que de cara o que aumenta é a compra de filmes. De preferência comédias de grande público. Depois a procura a grandes produtoras (que já tinham um pé na produção independente, e uma porta de entrada nos canais). Depois por conteúdos que venham prontos, formatados e embalados. E só depois, talvez, com sorte, é que veremos uma valorização do roteirista em si. Com o tempo passei apenas a acenar com a cabeça, sem entrar em maiores discussões.
Essa semana a Folha Ilustrada publicou mais uma matéria sobre o tema, que suscitou em mim mais perplexidades. Com título otimista “Nova lei da TV paga aquece mercado para roteiristas no Brasil”, é um desfile de descabimentos e clichês para falar do mercado e do profissional de roteiros. No meio de obviedades e outras babaquices programadas, como “é essencial [para o roteirista] ser devorador de livros”, comenta que os roteiristas são profissionais cada vez mais cortejados (termo deles) pelos canais e faz um chamado àqueles dispostos a trabalhar. Para falar da valorização atual do mercado, cita a agenda cheia de Bráulio Mantovani e Jorge Furtado (nunca vi, por exemplo, procurarem a agenda de Niemeyer para saber como andava o mercado de arquitetura no Brasil).
É, uma vez mais, um reforço de que o mercado está em falta de roteiristas – principalmente os qualificados para a nova empreitada. É a típica visão que quando mencionada em discussões e conversas por aí normalmente vem acompanhada por um “há sim roteiristas. É que não há roteiristas bons.” Pois vos digo, e sem nenhum receio, há sim roteiristas: roteiristas bons, roteiristas ruins, roteiristas lotados de trabalho e outros esperando para começar. Como toda área, se for considerada como mercado e profissão. O que (ainda) não é.
O próprio Bráulio Mantovani, no bloco final, desmente a afirmação da matéria sobre a profissão: “’Tudo tem dois lados. Paga-se muito mal a roteiristas no cinema, principalmente quando se leva em conta o tempo de dedicação ao trabalho’, avalia ele. ‘Os roteiristas são obrigados a se envolver em vários projetos ao mesmo tempo e, se nenhum dá certo, você fica sem trabalho. Já aconteceu comigo.’” E, no último parágrafo (último mesmo, lá bem depois do intertítulo), tiveram coragem de publicar finalmente – em frase de Roberto d’Avila – “O que há agora é uma excitação grande no mercado, mas não vejo mudança de postura. Há muita produtora procurando projetos prontos e poucas investindo na formação de quadros”.
A lei muda o mercado sim, há mais produtoras interessadas e procurando conteúdos, e abre-se uma janela sem precedentes para valorizar o trabalho de roteirista no Brasil. Mas dar a entender que isso dá acesso a um reino encantado, em que todos os roteiristas terão emprego, sucesso e felicidade é, mais que uma ilusão, uma lenda (e muito bem contada). O que essa e outras matérias fazem é uma mistificação da profissão, que é justamente o que a profissão não precisa agora. Quando as afirmações finais da matéria chegarem ao título, poderemos dizer que, sim, o mercado para roteiristas mudou.