Ninguém sabe ao certo porque os gatos dormem tanto – mas uma hipótese, e tanto, é de que eles guardam o máximo de energia para suas caçadas. Explica muito para quem tem um gato: não raro eles acordam e correm inexplicavelmente e inexplicavelmente rápido pela casa. Dessa forma, dizem os especialistas, o ataque é certeiro.
Duas coisas nessa semana me lembraram a lógica dos gatos:
A primeira foi a entrevista da Clarice Lispector para a TV Cultura de 1977: “não sou profissional”, ela diz. “Eu só escrevo quando eu quero. (…) Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever, ou em relação ao outro. Eu faço questão de não ser uma profissional, para manter minha liberdade”. Depois descreve os períodos alternados entre a produção intensa e hiatos. Lembrei imediatamente do Fernando Sabino − que sempre dizia que o que atrapalhava seus romances era a necessidade de escrever para ganhar dinheiro −: “às vezes eu penso que eu não sou escritor, inventaram que eu sou escritor, porque eu não tenho a menor facilidade de escrever” (em entrevista ao Roda Viva, 1989). Que eram escritores, eram − o que faltava era essa noção (e que noção seria?) de trabalho.
A segunda coisa foi uma notícia que saiu − notícia assustadora − que gente com 20 e poucos anos trabalha de graça, e em jornadas exaustivas, com vistas às promoções e agraciamentos futuros. Já ouvi gente dizer (não sei se concordando, mas constatando) que roteirista novo não pode cobrar. Porque o que vale é o nome, não o roteiro. Se o aluguel é mais barato pra gente jovem, ou a comida, ou o mercado, ou o transporte, e etc e tal, concordo. Mas não é.
É uma visão positivista e da sociedade moderna, que perdura ainda hoje. Seja pra desvalorizar o processo criativo, seja para hiper-valorizar a honra do trabalho, as duas situações tem a ver com essa visão de que muito esforço, de preferência contínuo e dosado, traz uma recompensa garantida. Sou mais a vida dos gatos.