Ecos do oi oi oi

O facebook é uma bolha. Isso já desde as eleições presidenciais (quando minha timeline indicava vitória clara de Plínio de Arruda, detentor, ao final do processo, de apenas 1% dos votos do Brasil) que eu já sabia. Com o final da novela da Globo não foi diferente. Dividiram-se os comentários ao vivo: “todo mundo no meu facebook só fala da novela!” No meu, particularmente – e apesar de trabalhar em uma área próxima de TV – imperavam os comentários contra quem perdia tempo falando sobre (ou pior de tudo: vendo) a novela. Ou: gente assumidamente perdendo tempo pra falar sobre quem perde tempo assistindo à saga de Carminha.

Uma casa de shows de São Paulo publicou um comentário engraçadinho “vão ver o final da novela?”, acompanhando a divulgação de uma apresentação. O conceito dessa casa são shows de qualidade não menos que excelente para um público pequeno – ou seja, justamente um lugar que não se pauta pelo que está na mídia, e que tem, portanto, uma visão muito mais abrangente de cultura. Nos comentários, responderam “me recuso a acreditar que alguém que frequenta a casa curta uma ‘Carminha’!”. Me recuso a acreditar que alguém que frequenta a casa tenha uma visão tão limitadíssima de cultura.

– salvai-nos, ó artistas, da nossa elite.

Nunca fui fã de novela. Assisti exclusivamente a Anjo Mau (a mais nova, duas vezes com o Vale a Pena Ver de Novo), Laços de Família (duas vezes) e Pantanal (só na reprise). Fiz um curso de telenovela há pouco tempo e foi um massacre anunciado: passei vergonha por não saber a diferença entre os autores (ou mesmo os autores). Mas sempre tive especial curiosidade como produto cultural – o que atinge mais gente, com mais penetração.

“Avenida Brasil” entrou nessa (pequena) listagem. Sem paciência para assistir aos episódios com constância (que se desenvolviam em pequenos movimentos) acompanhei a história consultando a amiga com quem divido casa, e me propus a assistir assiduamente às duas últimas semanas. E não me arrependi.

Para além de ser o nosso maior produto cultural, essa novela trazia importantes renovações: a redenção da vilã é uma delas (as relações na novela foram menos maniqueístas que na nossa eleição municipal). O núcleo em bairro humilde protagonizando a história. Humor em quase todos os núcleos (um humor muitas vezes descompromissado e refinado). E uma direção primorosa – ouso dizer, na minha pouca experiência com novela – como nunca se viu.

Adriana Esteves estava excepcional – mas não só ela. A direção de atores, que não costuma ser valorizada (aliás, nem no cinema), foi digna de nota. Ouvi de amigos, vi na tela e li em críticas posteriores: cinematografia invadindo a TV. Vi até cena sem fala – e com informação. Olhou pro iPhone, pra janela, pra panela no fogo, perdeu! Os aspectos de cinema condicionados à produção diária, é certo, mas aspectos cinematográficos… Se a novela perdeu dinâmica em seu enredo (há críticas de que sobraram lacunas na história), ganhou em cinematografia, e o final envolvendo o misterioso assassinato de Max teve cenas de tirar o fôlego.

Avanços como esses, no nosso maior produto cultural, passam ao largo de comentários como aquele. É preciso renovar a TV. Mas é preciso renovar a nossa visão da TV. Em uma prece consoante com os ecos do oioioi, faço minhas as palavras de Caetano “Santa Clara, padroeira da televisão, que a televisão não seja sempre vista como a montra condenada a fenestra sinistra, mas tomada pelo que ela é de poesia”.