Na semana passada assisti a uma palestra interessantíssima da Suzana Amaral – diretora de “A hora da estrela” (1985) – sobre cinema e literatura, e a obra de Clarice Lispector, parte do curso da Maria Lúcia Homem no MIS (que durante o curso também integrava à interpretação aspectos da psicanálise). Achei que seria bom porque gosto de literatura, porque gosto de cinema, porque gosto de A hora da estrela da Clarice, mas principalmente porque gosto muito da adaptação da Suzana.
Adaptação pra cinema é uma das coisas mais enganosas que existem. Quase tanto quanto tocar pandeiro (mas isso é outra história, de que todo brasileiro acha que sabe tocar pandeiro…). Caí na armadilha com o meu trabalho de conclusão do curso de cinema: um roteiro de longa, mas que não daria tanto trabalho porque era só uma adaptação. Amarga ilusão. Adaptação literária é algo deliciosamente trabalhoso, algo que só conseguimos superar ao perceber que, sim, vamos ter que mudar a história – sob a pena de não conseguir atingir a essência do que foi passado pelo escritor.
Pois a Suzana Amaral, além de ter essa percepção aguda (e muito mais bem desenvolvida que a minha) em relação a literatura e cinema, ainda tem o tom enfático e extraordinário das pessoas de 80 anos (no caso dela, 81). – Suzana como foi seu processo? – Intuição. – E como você faz… – Intuição. – E o que você acha… – Intuição. “Você tem que fazer o que você quer, e o que você não quer você não faz.” Ela não chama de “essência” e sim de “espírito”, nem de “adaptação”, mas sim de “transmutação”.
Lembrou-me a Lygia Fagundes Telles (de quem vi uma fala no ano passado), falando de modo tão certeiro sobre vocação, nesse mesmo limite de fazer no mundo o que lhe cabe. E com a mesma certeza. “Eu me fiz dentro do cinema”, contou a Suzana, que diz que estava na área já desde os sete anos, e começou a estudar com 38, na ECA – o que fez dos 7 aos 38? “Tive filhos!” Foram 9, ao longo de 10 anos – experiência adquirida suficiente pra conseguir lidar com qualquer ator, segundo ela.
Foi contando então, com seu jeito de oitenta anos (esse jeito de ter certezas que vem somente da emoção) como é seu processo criativo, de como nunca categorizou as coisas: “a preocupação da ideia é ter ideias. O negócio é trabalhar e pensar, pensar, pensar e sentir, pensar e sentir, pensar e sentir”, “eu fui fazendo, e quanto mais eu estudava mais eu encontrava o meu caminho.” E eu – fui me encantando com a possibilidade de ter 80 anos. Não sei se chego, mas ia gostar muito de chegar. Um professor (de viola, mas isso é outra história…) me disse sobre o estudo que aos poucos eu vou ter que ter menos aulas, por perceber o mundo de coisas que é preciso aprender e entender, e precisar de mais tempo para processar cada informação. “Quanto mais velho eu fico menos certezas eu tenho”.
Tentei até levar pra terapia: eu queria ter 80 anos! Mas isso é só mais um jeito atrapalhado de ter vinte e poucos – que, com todas as certezas tolas que aprendemos, é preciso aproveitar.