Linha São Paulo-Mariana. “O senhor vai pra Mariana mesmo?” “Não, não, eu vou descer em Entre Rios.” Olha só, eu também.
Senti de imediato que era uma pessoa extraordinária pra se estar sentada ao lado, no ônibus onde todo mundo parece só querer dormir.
O senhor era de São Sebastião do Gil, um distrito de Desterro. O irmão ia lá em Entre Rios buscar. Era a festa de 90 anos de idade do irmão mais velho.
São muitos irmãos? “Eram, eram muitos, agora são nove vivos.”
(nove vivos!)
Foi pra São Paulo com 15 anos pra estudar, um outro irmão é padre e já vivia lá. Começou trabalhando numa gráfica ligada ao seminário. Contei que meu namorado é de Entre Rios, estava indo visitar a família dele.
“E você vem ATÉ Entre Rios só pra namorar?”
(eu ia só pontuando assim, pra ele continuar me contando mais histórias. Não sei se eram muitas ou se ele inventava – mas sabia que a viagem ia ser boa). Contou por exemplo do alemão fugitivo da segunda guerra, que quando ele era pequeno morava no arraial. Porque São Sebastião do Gil, disse ele, é tudo um arraial.
Mesmo pai e mesma mãe. Eram 19 filhos, a mais velha teria 92, o mais novo: 60, que é ele. O mais velho vivo (esse de 90) vai fazer uma festa que vai reunir todos os irmãos.
Dele tem três: o mais velho morou na Alemanha e estudou energia nuclear, tem 31. O do meio não fez faculdade, só técnico. Tem 29 e só que saber de “balada, balada, balada”.
A esposa não pôde vir na festa porque acabou de nascer um netinho. Ele falava assim mesmo: “a esposa”. Do filho mais novo, de 19 – “Hoje em dia tem isso de ficar, né? Mas ele estava namorando, faz um ano já que a menina vai lá em casa.”
Depois repetiu: “noooooossa, e você veio namorar um rapaz aqui da região?
Eu também tive uma namorada assim, que era do Paraná. Eram 800 km entre uma cidade e outra. E eu trabalhava e ela vinha me ver.” Eu pontuei: que coisa! Mas ele riu: “É verdade!… Esse ano a gente faz 31 anos de casados.”