ComKids Inovação, ser e fazer na produção (audiovisual) para a infância

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Estive ontem no seminário ComKids, iniciativa para articular agentes de mídia em torno da produção para crianças, que nessa edição teve como tema a inovação. Tema amplo, que pode percorrer diversos caminhos, ainda mais no que diz respeito às iniciativas para a infância e adolescência. E tão vastos e abrangentes quanto o tema foram os painéis: com convidados internacionais e de diversas partes do país, de diferentes formações e áreas, de audiovisual, de música, de ilustração e de tecnologia. Da Argentina ao Cariri, o dia abriu e fechou com a mesma intenção, se desdobrando ao longo das falas em múltiplas possibilidades.

Com a diversidade da composição de painéis, o evento dava pinceladas do que quer que possa ser esse tema. E tal como a inovação, aos poucos, inesperada e espantosamente, foi-se tecendo uma delicada teia de relações ― e delicada não porque é frágil, mas porque é profunda.

A abertura emocionante foi por conta de Chiqui Gonzalez, preocupada com o entendimento do espanhol, que a tradição porteña do drama veio suprimir, em uma comunicação direta com a emoção. Ministra de Inovação e Cultura de Santa Fé, falou sobre sua experiência com políticas públicas para a infância, e contou sobre os parques públicos projetados para receber adultos e crianças de todas as classes sociais, incentivando a criação, a brincadeira e a imaginação sem regras, horários ou obrigações. Falando sobre o protagonismo, demonstrou-o em sua própria fala, dando voz a crianças em inúmeras citações. “Vivir es solo querer a los demás. Vivir es saber que uno está queriendo a otro.”

Hélio Ziskind, apresentando sua criação musical (entre elas a música do ratinho do Rá-tim-bum) como um ponto intermediário de encontro entre artista e receptor, vida adulta e infância, definiu a criação para crianças: “como nós somos naquele momento em que a gente percebe que não sabe uma coisa”. Ao mesmo tempo em que negava as projeções de mercado, apresentava sua metodologia e processo com base na experimentação, na percepção e estágio congnitivo das crianças. “Criança a gente precisa pegar pela mão e conduzir”. Fala que conversava  com Jan-Willem Bult, da Holanda, de outro painel – aliás, dessas pessoas maravilhosas, que sabem que “quanto mais se sente, mais se aprende”. Com seu projeto de canal de notícias para crianças, o Kids News Network (e o programa Wadada News), integra diversos continentes numa rede de correspondentes, e coloca as crianças não só como espectadores ou personagens, mas como agentes das notícias. Um jeito de contextualizar o mundo ― suas principais personalidades e acontecimentos ―, com uma linguagem especialmente voltada para eles.

Laura Teixeira, ilustradora e escritora, que não faz distinção entre a sua produção adulta e infantil (e nem deveria), trouxe os livros que escreveu quando era pequena ― entre eles o encantador “O casamento entre a cigarra e o cigarro”, que no original se chamava só “O casamento”, ideia imediatamente completada pelo desenho de uma cigarra triste e um cigarro aceso. Alemberg Quindins trouxe suas revistinhas escritas e ilustradas à mão, para mostrar o quanto as crianças já criam, mais do que a gente se lembra e pode imaginar, em uma palestra de aplaudir em pé. Literalmente.

Quindins mantém o projeto Fundação Casa Grande, que praticamente se fez por si só, quando as crianças da cidade de Nova Olinda passaram a ser diretoras e gerentes das diversas áreas do que era então só um museu, dedicado às imagens paleontológicas e ao homem Kariri. Cada diretor passou a ter seus assistentes, também crianças, convocados e liderados por eles próprios. Hoje a casa integra uma diversidade de atividades com rádio, design, audiovisual e música, tudo coordenado e protagonizado por crianças. Que tinha, quase 12 horas depois do início do evento, tudo a ver com a palestra de abertura de Chiqui.

Ao longo do dia, ouvimos criadores falarem sobre suas plataformas colaborativas, aplicativos, sobre educação e sobre mercado, sobre a criação audiovisual a partir das necessidades do artista, das crianças e do canal, cada um com uma ideia de abordagem e condução. De diferentes formas, com diferentes visões da infância, fala após fala, os convidados compuseram um mosaico: é preciso criar ambientes, ou é preciso abaixar para olhar no olho da criança, ou é preciso conduzi-la pela mão. Em lugar de trazer soluções tecnológicas (como a onda do transmídia que sacudiu o mercado alguns anos atrás), os palestrantes trouxeram, ao contrário, o que é mais humano para a reflexão.

Alguém recém-chegada na área perguntou o óbvio: “mas como fazer bons produtos para a infância?” Particularmente, não acho que a questão seja do fazer, mas sim do ser (aliás, para qualquer produção). O público quer sentir, seja criança, adulto ou o que for. E nesse sentido é muito mais fácil produzir para crianças que para adultos, porque as crianças não tem ainda uma série de entraves e limitações que vamos criando para viver em sociedade. E que eventos como esse nos ajudam a ver. Como disse Chiqui sobre os parques de Rosário e Santa Fé, ao final de sua apresentação: “Parques feitos ao modo das crianças, para que os adultos se lembrem de que são humanos.”